Uma pequena ambulância estacionada em uma área verde no centro de Berlim chama atenção. Com uma faixa laranja nas laterais e fios pendurados no teto, o veículo não transporta pacientes comuns. Ele integra a frota da Tomorrow.Bio, o primeiro laboratório de criônica da Europa, cuja missão é congelar corpos após a morte com a esperança de um dia trazê-los de volta à vida. O custo desse serviço? US$ 200 mil (cerca de R$ 1,2 milhão).
A aposta de Emil Kendziorra na vida após a morte
À frente da Tomorrow.Bio está Emil Kendziorra, que abandonou a carreira na pesquisa contra o câncer por considerar o progresso nessa área muito lento. Em entrevista à BBC, ele contou que acredita que a criônica pode ser o caminho para a cura de doenças fatais no futuro. Embora a criônica tenha surgido há quase meio século nos EUA, Kendziorra afirma que o interesse por essa tecnologia tem crescido. Até o momento, a empresa já criopreservou três ou quatro pessoas e cinco animais de estimação, além de ter quase 700 pessoas cadastradas. Em 2025, a startup planeja expandir suas operações para todo o território americano.
Como funciona a criopreservação
Quando um paciente registrado está em seus últimos dias de vida, a Tomorrow.Bio envia uma ambulância para o local. Após a confirmação legal da morte, inicia-se o processo de criopreservação. O corpo é resfriado com fluidos crioprotetores — compostos por dimetilsulfóxido (DMSO) e etilenoglicol — para evitar a formação de cristais de gelo que poderiam danificar os tecidos. O resfriamento ocorre rapidamente até -125°C e, depois, mais lentamente até -196°C. Nessa temperatura, o corpo é transferido para uma instalação na Suíça, onde permanece em espera.
O desafio de reverter a morte
Apesar da tecnologia avançada, ninguém jamais foi ressuscitado com sucesso após a criopreservação. Especialistas, como Clive Coen, professor de neurociência no King’s College London, criticam a técnica, considerando-a impraticável. Ele destaca que não há evidências de que a nanotecnologia ou a conectômica — mapeamento das conexões cerebrais — possam tornar viável a reversão da morte.
Ainda assim, Kendziorra mantém o otimismo. Ele cita casos como o de Anna Bagenholm, que foi reanimada após passar duas horas clinicamente morta em 1999, como inspiração. Experimentos com animais também alimentam essa esperança: em 2023, cientistas da Universidade de Minnesota conseguiram transplantar rins de ratos que ficaram criogenicamente armazenados por 100 dias, com plena recuperação da função em 30 dias.
Para Kendziorra, a criônica pode se tornar tão comum quanto transplantes de órgãos. Ele argumenta que procedimentos médicos que hoje são rotina foram, no passado, vistos como estranhos. “Pegar um coração e colocá-lo em outro ser humano parecia bizarro. Mas fazemos isso todos os dias”, afirma.
A resistência à criônica, segundo ele, vem da ideia de trazer alguém de volta dos mortos. Porém, a ciência avança justamente por desafiar conceitos estabelecidos.
Questões éticas e custos elevados
A criônica não está isenta de críticas éticas e financeiras. O alto custo e a incerteza do sucesso geram questionamentos. Os corpos criopreservados pela Tomorrow.Bio são armazenados em uma fundação na Suíça para garantir sua proteção, mas há dúvidas sobre quem será responsável por esses corpos no futuro.
Além disso, não há garantias de que a doença que causou a morte será curável ou que outras complicações não encurtarão a vida do ressuscitado. Kendziorra argumenta que investir US$ 200 mil nessa possibilidade faz sentido, especialmente se comparado a gastos de luxo de pessoas idosas. A maioria dos clientes da empresa tem menos de 60 anos e financia o processo por meio de seguros de vida.
A criônica como viagem no tempo
Para clientes como Louise Harrison, de 51 anos, a criônica representa uma chance de viajar no tempo. “Ter uma pequena chance de voltar, em vez de nenhuma, parecia lógico”, diz. Ela paga cerca de US$ 87 por mês pelo cadastro e seguro. Embora enfrente críticas, Harrison acredita que sempre encontramos motivos para seguir em frente, mesmo após perder pessoas importantes.
Futuro promissor ou ilusão?
A Tomorrow.Bio tem metas ambiciosas: pretende, em um ano, ser capaz de preservar a estrutura neural de memória e identidade, e alcançar a preservação reversível abaixo de zero até 2028. Apesar da incerteza, Kendziorra está confiante. “A probabilidade de sucesso pode ser baixa, mas é maior do que a de uma cremação. E isso já é algo.”
Com o avanço da tecnologia e o aumento do interesse por longevidade, a criônica pode deixar de ser apenas um conceito futurista para se tornar uma realidade científica.